Intervenção do Presidente do Governo
Presidência do Governo Regional
Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, José Manuel Bolieiro, proferida hoje, em Bruxelas, na Audição Pública sobre “Reforçar a Política de Coesão para as Regiões Ultraperiféricas e Ilhas: Enfrentar Desafios e Aproveitar Oportunidades Pós-2027”, no âmbito da Comissão do Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu:
“Agradeço na pessoa do Presidente da Comissão REGI, o MEP Dragos Benea, mais esta oportunidade que o Parlamento Europeu dá às regiões de serem ouvidas, neste caso as regiões ultraperiféricas da União Europeia.
Felicito a Comissão REGI pela dinâmica mobilizadora.
O exercício do diálogo institucional tem sido o mecanismo político mais eficaz na construção da União Europeia.
Estamos sempre disponíveis para esse diálogo. Porque os Açores prezam a sua pertença à União Europeia.
Uma União de valores e princípios. Paz, coesão, prosperidade.
Valores europeus para todos, todos, todos.
Valores registados nos Tratados que suscitam a defesa e a promoção do nosso interesse comum. Com valor acrescentado para o Projeto Europeu.
A União Europeia nasceu em nome da paz e reconheceu sempre, ao longo da sua história, a importância da coesão territorial como princípio basilar na construção das políticas sectoriais.
Os Açores são uma região insular, com nove ilhas, com 600km de Santa Maria ao Corvo, no encontro da Europa com as américas, assumindo uma dimensão geoestratégica considerável. Está na intersecção das três placas tectónicas, nomeadamente a norte-americana, euroasiática e africana. Percebem bem a nossa posição geoestratégica global e a dimensão marítima e territorial que acrescentamos à União Europeia.
A Europa está confrontada com uma reorganização do sistema internacional, com uma certa desordem internacional.
Temos de reconhecer as dificuldades de adaptação.
Esta realidade obriga-nos a agir de forma mais assertiva, no que diz respeito à relação da União Europeia com o resto do mundo.
Mas por isto, não podemos colocar tudo em causa. A resposta não pode ser desmantelar o que tem sido um sucesso até agora, como é a Política de Coesão, já hoje com insuficiência de recursos dedicados às RUP, criando carga excessiva às capacidades financeiras próprias, já incapazes de compensar as necessidades que são, afinal, europeias.
Daí a oportunidade deste encontro estar reforçada e na véspera da importante comunicação da Comissão europeia sobre o Quadro Financeiro Plurianual pós27. O que for dito amanhã, apesar de ser o início de um processo negocial, é simbólico para o futuro e para a mensagem que queremos passar para os europeus.
O tema deste painel permite-me transmitir a visão dos Açores sobre esta matéria que, na verdade, é muito importante para o nosso futuro comum. O dos Açores, mas também da própria União Europeia.
A Política de Coesão beneficia direta ou indiretamente todos os Estados-Membro da União Europeia. É a sua maior política de investimentos. Modernizar não pode significar o seu desaparecimento ou desmantelamento. Cortar a burocracia não pode ser tratar igual o que é efetivamente diferente. Simplificar não pode significar a exclusão das autoridades regionais e locais no desenho e gestão da Política de Coesão.
A abordagem multinível, o princípio de parceria e de subsidiariedade tem de ser mantido e respeitado, tal como o Artigo 349.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que confere estatuto jurídico às RUP.
Como região, os Açores têm feito um percurso muito positivo de integração na União, resultado também da Política de Coesão e dos fundos europeus, que são essenciais para a continuação deste percurso.
Este investimento da União Europeia no nosso desenvolvimento é, também, um fator decisivo para a capacidade da própria União poder valorizar, connosco, a sua posição geoestratégica no seu relacionamento com o resto do Mundo. E pergunto: estar presente em dois oceanos e três continentes é ou não essencial para a União Europeia reocupar a sua importância global, perdida nos últimos anos para potências como a Rússia ou China, que aliás também já olham para nós com elevado interesse?
Nós somos europeus e valorizamos e defendemos os valores europeus, mas não podemos aceitar que passe a ser uma nova normalidade, termos uma UE a várias velocidades, deixando-nos para trás...
Questiono novamente. Há alguma coisa mais importante para a segurança e defesa europeias, que termos as regiões ultraperiféricas desenvolvidas, coesas social e territorialmente, ocupadas, permitindo aos europeus o “direito a ficar”? Vazios de ação da União Europeia tornam estas regiões e territórios mais recetivos a ‘players’ externos, e podem ser ameaças ao projeto europeu e às democracias europeias. E isto merece atenção.
As Regiões Ultraperiféricas são uma fronteira marítima e aérea da UE, mas são também um repositório de biodiversidade, pois 80% da biodiversidade europeia está ali localizada. E, ainda, não menos importante, em relação à participação da União Europeia na concretização dos objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, em que por exemplo, somos pioneiros e liderantes na definição de 30% do mar dos Açores em Áreas Marinhas Protegidas. Portanto, não necessitamos de obrigações para as importantes metas ambientais. Precisamos sim de incentivos para continuar a fazer o bem feito.
Enalteço a posição da Comissão de Desenvolvimento Regional pela defesa intransigente da Política de Coesão e das Regiões Ultraperiféricas. Com esta audição pública, estamos também a associar o desenvolvimento económico e social das regiões à capacidade de poderem ser elas próprias um instrumento vital da relação da União com o resto do Mundo.
No caso específico dos Açores, ocupamos, com as nossas nove ilhas e com cerca de 1 milhão de Km2 de zona económica exclusiva, grande parte do Atlântico Norte, representa mais de metade da ZEE de Portugal que representa a 5.ª maior ZEE na UE.
É por isto que tenho defendido a transformação de regiões de necessidades, que as são e continuarão a ser devido à sua condição singular, em regiões de oportunidades. Recebemos muito da UE, mas contribuímos muito e podemos ainda contribuir mais para o projeto europeu. Para o futuro da Europa.
Dou-vos alguns exemplos:
Tivemos de construir infraestruturas portuárias e aeroportuárias em todas as ilhas, que agora necessitam de ser mantidas e modernizadas.
Com a nova abordagem dual, estas são infraestruturas logísticas básicas, que podem ser valorizadas e potenciadas para servir a estratégia da União Europeia e a sua relevância no mundo, pela paz e integridade territoriais.
Temos condições especiais de atratividade de atividades no sector espacial, com um acesso direto ao espaço, sem conflituar com o lixo espacial, valorizando também este ativo estratégico europeu, fundamental para podermos competir com outras potências mundiais.
Temos uma estratégia regional de proteção do nosso mar, no que se reporta à implementação de uma economia azul. Somos um povo que bem conhece o outro lado do Atlântico, do Brasil, passando aos EUA, e ao Canadá, motivada pela nossa emigração, que permitiu termos ligações profundas aos meios políticos, económicos e culturais desses países. Somos, no Atlântico, um centro de influência com potencial para ser uma referência da Europa. Investigação, inovação, conhecimento do mar profundo, mas também de proteção das infraestruturas submarinas críticas e recordo a frota fantasma russa ou embarcações de pesca chineses no Atlântico, ou da monitorização e proteção do espaço aéreo e espacial.
É neste sentido que entendo haver um interesse estratégico da União Europeia na garantia de que os Açores e as outras regiões ultraperiféricas mantêm e reforçam as condições de utilização de infraestruturas para usufruto e defesa da União Europeia, das suas políticas e dos seus interesses.
É do interesse da União Europeia que os equipamentos coletivos relacionados com as acessibilidades mantenham o máximo grau de operacionalidade. É do interesse da União Europeia que o mar dos Açores, as nossas áreas marinhas protegidas, a nossa economia azul, sejam acompanhados por ciência e inovação com medidas concretas tecnológicas no âmbito da ação da União para a segurança e defesa e para a sustentabilidade ambiental.
Para a segurança coletiva, pois nunca uma política de defesa europeia fez tanto sentido como agora.
O diálogo da União Europeia com a NATO é necessário e emergente. Uma maioria significativa de Estados-membros da União pertence à NATO. O nosso quadro de defesa não pode ignorar o Oceano Atlântico e tem de alimentar a coesão entre aliados. Na Europa e no continente americano.
Os Açores, de certa forma, estão no centro dessa relação. O que significa que constituímos uma utilidade efetiva para a União nessa relação.
O próximo Quadro Financeiro Plurianual não pode ignorar esta realidade. Coesão, competitividade e segurança coletiva são três pilares indeclináveis, tal como o respeito pela singularidade das RUP.
E, portanto, ao alavancarmos o investimento europeu no setor da defesa e atividades conexas, não podemos ignorar o peso da coesão territorial e competitividade.
Nas ilhas, tudo anda à volta das acessibilidades. Os transportes aéreos e marítimos não são um luxo. São uma necessidade e não podemos criar ainda mais dificuldades e entropias neste já complicado sistema.
O sistema socioeconómico de uma ilha ou de um arquipélago é singular. A utilização do território é essencial para a validade da sua função. Por isso, em planos diferentes, empenhamo-nos na operacionalidade das suas infraestruturas ao longo do tempo. Os seus custos de manutenção comprometem a nossa participação plena no mercado único europeu e penalizam o valor geoestratégico dos Açores como território da União Europeia.
Neste sentido, temos pugnado pela adoção de um programa específico, vulgo POSEI, no âmbito do artigo 349.º do TFUE, para os transportes nas Regiões Ultraperiféricas.
Temos contado com o apoio do Parlamento Europeu. A própria Comissão Europeia tem reconhecido a sua validade. Mas precisamos de ação. Ação urgente e peço o vosso continuado apoio.
Nestes dois planos, contamos com as instituições da União Europeia para, em reconhecimento de uma solidariedade proclamada, assumirem com os Estados Membros estes objetivos. Porque o retorno é bem superior ao investimento.
No Quadro Financeiro Plurianual, não podemos perder a dimensão original da coesão territorial. É esta a cola do projeto europeu. E a Comissão Europeia tem de o perceber e não pode deixar de valorizar cada uma das suas parcelas.
Conto, mais uma vez, com o Parlamento Europeu, com esta Comissão REGI, para nos acompanhar, no diálogo com a Comissão e com o Conselho, neste processo final de construção do novo Quadro Financeiro Plurianual.
Os Açores e as outras oito regiões ultraperiféricas estão a colaborar com a Comissão na reavaliação da estratégia da União Europeia para as Regiões Ultraperiféricas. Apresentámos em conjunto um documento que reflete a nossa visão sobre a integração plena das regiões ultraperiféricas na União Europeia, mas tudo isto pode cair por terra se a proposta do QFP orientar para uma abordagem diferente. Estamos disponíveis para melhorias, mas não para retrocessos ou desvalorizações do nosso contributo para o projeto europeu.
Muito obrigado.”