Intervenção do Presidente do Governo
Presidência do Governo Regional
Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, José Manuel Bolieiro, proferida hoje, na Praia da Vitória, na sessão solene comemorativa do Dia da Região Autónoma dos Açores:
"Hoje celebramos Açores!
Celebramos a nossa identidade, densificada na tradicional segunda-feira do Divino Espírito Santo.
Celebramos a nossa conquista constitucional!
No passado dia 25 de abril, evocámos os 50 anos do início desta conquista constitucional.
Conquista pela democracia e Autonomia Política dos Açores e da Madeira, com a eleição dos nossos Deputados Constituintes, que aí iniciaram a nossa transformação democrática e autonómica.
Naquele dia, experimentamos a participação democrática, livre e verdadeira, dos portugueses, após quase cinco décadas de regime ditatorial.
Aproveito para saudar os nossos eleitos pelos Açores que, há cinquenta anos, iniciaram, tão bem, na Assembleia Constituinte, a transformação Constitucional de Portugal, dos Açores e da Madeira.
Foram eles, Mota Amaral, Jaime Gama, Américo Natalino Viveiros, felizmente ainda entre nós, e José Manuel Bettencourt, Rúben Raposo e Germano Domingos, infelizmente destinatários de saudação a título póstumo.
A todos o nosso reconhecimento.
Nesta “muito notável” cidade da Praia da Vitória, onde retomamos a rotação na nossa geografia municipal e comunitária da celebração do dia dos Açores, expresso a nossa gratidão pelo acolhimento e colaboração, na realização desta cerimónia, em nome dos nossos órgãos de governo próprio, retomando a festa de proximidade e convívio com o nosso Povo e nossas tradições.
Dirijo, por isso, uma palavra de agradecimento e felicitação à Senhora Presidente da Câmara Municipal da Praia da Vitória, Dr.ª Vânia Ferreira, e na sua pessoa a todos os que tornaram possível mais esta cerimónia festiva.
Nesta cidade da Praia, que assim começou a sua toponímia, e que, por uma das conquistas do liberalismo, nela alcançada, se passou a designar, por carta régia de D. Maria II, de 1837, de Praia da Vitória, porque ajudou à transformação de Portugal, no século XIX, que do absolutismo passou ao liberalismo constitucional.
Da Ode de Almeida Garrett cito “Salve, ó Praia da Vitória, berço de heróis e da liberdade, onde o povo ergueu-se com bravura”.
Os Açores, desde cedo, foram impulso decisivo nas mais importantes transformações evolutivas de Portugal e dos seus regimes.
Hoje, celebramo-nos, enquanto Povo Açoriano!
Neste Dia da Região, celebramos, com orgulho e humildade, o Povo que somos.
Nos belos versos de Emanuel Félix, “Somos herdeiros da maresia,
Que salga os olhos, de olhar o mar”.
E a Autonomia Política que defendemos é um espaço vivo de afirmação identitária.
Unidos pela nossa cultura, seremos sempre um povo forte, orgulhoso e coeso.
Vitorino Nemésio definiu a "Açorianidade" como mais do que um termo:
“É sentimento, vivência histórica e forma de estar no mundo, marcada pelo mar, pelo isolamento, pela migração e pela resistência”.
Há 49 anos, assumimos, com a instalação democrática e constitucional dos nossos órgãos de governo próprio, a coragem de decidir o nosso próprio destino.
E assim temos a Autonomia Política conquistada e a nossa heráldica definida, tudo na base da identidade de Povo e da Instituição Política, como Região Autónoma.
Por isso, em cada Dia da Região Autónoma dos Açores, celebramos mais do que uma data.
Celebramos a força da Autonomia Política, a determinação de um povo e o caminho que se fez de identidade, se faz de resiliência e se fará de ambição.
Em 1976, começámos com carências profundas.
A educação e a saúde eram privilégios de poucos. A pobreza era uma realidade de quase todos.
Hoje, a realidade é outra.
Temos escolas, universidade, hospitais e unidades de saúde em todas as ilhas.
Isso foi alcançado com visão, trabalho, solidariedade e responsabilidade.
Na educação, erradicámos o analfabetismo e democratizámos o ensino.
Na saúde, construímos um Serviço Regional de Saúde, que cuida da saúde de todos, trata das doenças, chegando a todas as ilhas. Reduzimos a mortalidade infantil e aumentámos a esperança de vida.
Na economia, modernizámos setores tradicionais, inovámos e projetámos os Açores para o mundo, respeitando a paisagem e o ambiente, que nos distingue, e a cultura que nos une e fortalece.
Hoje, mesmo com crónicas limitações e constrangimentos, somos uma Região consciente da sua força e preparada para os desafios globais que o mundo enfrenta, como a ação climática e as transições digital e energética.
E sabemos que a Autonomia Política não é um ponto de chegada, mas um processo contínuo de desenvolvimento, de responsabilidade e de compromisso.
Autonomia Política não é isolamento. É integração.
Autonomia é compromisso com a coesão entre as ilhas, com quem parte e com quem fica, e com as gerações vindouras.
Por meio dela, projetamos a nossa cultura, defendemos os nossos interesses comuns e afirmamos o nosso papel estratégico na Europa e no Atlântico.
É profundamente convicto deste entendimento, que hoje e aqui reafirmo esta ambição, de transformação, quiçá mais complexa, árdua e desafiante.
É certo que temos sido reconhecidos, embora de forma insuficiente, quer pelo País, quer pela União Europeia, como Região Ultraperiférica, isto é, caracterizada pela grande distância e insularidade, pequena dimensão e dependência económica, feita de um pequeno número de produtos.
Fatores cuja permanência e combinação limitam gravemente o nosso desenvolvimento, pelo que precisamos de ajuda, pois somos região de necessidades.
No entanto, é agora tempo de nos afirmarmos como Região de oportunidades.
Oportunidades para o nosso desenvolvimento e para o potencial estratégico do País e da União Europeia, nos seus enquadramentos geopolíticos.
Somos igualmente confrontados, todos, com desafios de desenvolvimento e de modernidade, desde logo, inovar mais e garantir igualdade de acesso aos direitos essenciais.
No futuro coletivo e regional, tão incerto quanto as perturbações do presente, devemos aspirar a que os valores de solidariedade, equidade, justiça social e dignidade humana continuem a guiar-nos nos Açores.
E com capacidade política sermos dialogantes e referências de estabilidade.
Estamos todos desafiados a promover as transformações necessárias ao desenvolvimento dos Açores.
Viver nos Açores é viver entre terra e mar, entre isolamento e abertura ao mundo.
No atlântico norte, entre a ultraperiferia da europa e a centralidade transatlântica.
É este posicionamento atlântico que nos confere oportunidade de sermos protagonistas das economias do futuro, focadas na sustentabilidade e nas transições digital, energética, tecnológica e científica, nas economias do mar e espacial, no domínio das relações externas, sob lideranças pelo exemplo, e na justa dimensão do nosso posicionamento geoestratégico.
Tomou posse, a semana passada, o novo Governo de Portugal. O XXV Governo.
Talvez seja oportuno neste dia de celebração dos Açores, expressar renovadamente ao Governo de Portugal a dimensão estratégica dos Açores.
É o País que tem tudo a ganhar se souber valorizar, com inteligência e ação concreta, o potencial dos Açores.
É a União Europeia que tem tudo a ganhar se souber contar com esta sua fronteira ocidental atlântica, para projetar o seu futuro, com relevância global.
Relevância na inovação tecnológica, na liderança pelo exemplo da sustentabilidade da vida humana, vegetal e animal no planeta, ou na competitividade e crescimento nas novas economias, designadamente a azul, a verde e a tecnológica, consideradas as transições incontornáveis da atualidade, a climática, a energética e a digital.
À exiguidade terrestre e demográfica com que os Açores são conhecidos, podemos explicar a nossa enorme dimensão marítima e espacial, que nos dá centralidade global.
Nem todos têm consciência dessa realidade, mas faço lembrar que Portugal tem uma das maiores áreas marítimas do mundo.
A nossa Zona Económica Exclusiva tem cerca de 1,7 milhões de Km2, o que faz de Portugal o 5º maior país europeu em dimensão marítima e o 20º maior do mundo.
E esclareço que o mar dos Açores representa 56% do mar do País. E isso deve ser considerado nas estratégias do nosso desenvolvimento coeso e coletivo, de todo o território de Portugal e de todos os portugueses.
Não é segredo para ninguém.
Existem muitas pendências entre a República e os Açores, que têm penalizado a previsibilidade e a estabilidade do nosso investimento público, bem como o desenvolvimento e a compreensão das responsabilidades do Estado nos Açores e perante os açorianos.
Neste último ano, algumas foram sendo consideradas e até tratadas, o que saúdo, com reconhecimento do empenho expresso pelo último governo da República.
Mas para o futuro imediato, alertando já este novo governo do País, refiro agora apenas um, para que, com esta seletividade, possa ficar enfatizada a sua relevância decisiva.
O tema é o da Autonomia Financeira dos Açores.
É a autonomia financeira que permite responder eficazmente às necessidades da população. Não podendo, por isso, ser sujeita a flutuações arbitrárias ou a centralismos que desconsiderem as nossas especificidades e o contributo que damos para a grandeza do nosso território.
As últimas revisões da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, em baixa, fragilizaram a nossa autonomia financeira, prejudicando a capacidade dos Açores de crescer com estabilidade.
Não é uma questão técnica. É um assunto de natureza política e uma questão de justiça e de equidade.
A República deve ver os Açores não como um custo, mas como um contributo para a projeção atlântica de Portugal, e da Europa, que, teimosa e desgraçadamente, se persiste em não valorizar.
Queremos que os recursos do país sejam geridos com rigor, transparência e foco no bem comum.
Defendemos uma relação de respeito mútuo e cooperação leal entre o Estado e as regiões autónomas.
Somos um ativo de segurança e defesa, de projeção marítima e científica.
Esta dimensão geoestratégica deve ser reconhecida, valorizada e traduzida em investimento.
Exigimos o cumprimento dos nossos direitos e assumimos, com orgulho, o nosso papel na República e na União Europeia.
Vivemos numa época de grandes desafios que transcendem fronteiras nacionais.
Os Açores, pela sua posição no Atlântico, estão na linha da frente desses desafios.
Queremos uma Autonomia de oportunidades.
Estamos todos convidados a abraçar este caminho de transformação.
Todos, somos capazes de transformar cada expectativa numa
realidade vibrante.
É com todos que faremos o futuro acontecer.
Vivam os Açores.
Os Açores das nossas ilhas, da nossa diáspora, da geografia atlântica e mundial.
Do seu passado e do seu presente.
Do seu futuro, um futuro mais auspicioso do que tudo o já vivido.
Disse!"