Intervenção do Presidente do Governo
Presidência do Governo Regional
Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, José Manuel Bolieiro, proferida hoje, em Bruxelas, na conferência "Voltar a Colocar as RUP no Centro da Agenda Política Europeia":
“Caro Gérard Bally - é um gosto estar hoje aqui, nesta iniciativa do EURODOM, a discutir as RUP e a Europa. Na verdade, uma afirmação da nossa participação neste projeto comum que é a União Europeia.
No momento difícil que a Europa atravessa, com desafios até há pouco tempo improváveis, não podemos deixar de incentivar a reflexão crítica sobre o melhor caminho para cumprirmos os nossos objetivos, expressos nos tratados.
Este evento é um importante contributo para esta reflexão.
Exmos. Membros do Parlamento Europeu, da Comissão Europeia e dos Governos Nacionais, hoje aqui connosco, presentes.
Exmos. Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, caros colegas,
É com sentido de responsabilidade e compromisso que intervenho neste painel dedicado ao futuro do Quadro Financeiro Plurianual pós-2027, num momento em que as Regiões Ultraperiféricas enfrentam uma encruzilhada decisiva para o seu desenvolvimento e para a coesão do projeto europeu.
As RUP são, além da sua geografia, um ativo para a União Europeia. Facto reconhecido no último Conselho de Assuntos Gerais, de 21 de outubro, pela Secretária de Estado dos Assuntos Europeus de Portugal, que disse e cito: “As RUP são um ativo estratégico crucial de toda a UE”.
Representam presença geopolítica, projeção global, dimensão marítima, contributo para a biodiversidade e liderança na luta contra as alterações climáticas.
São territórios que, apesar das suas fragilidades estruturais — isolamento, insularidade, pequena dimensão, dependência de poucos setores produtivos —, procuram quotidianamente transformar desafios em oportunidades, contribuindo para a resiliência, autonomia e segurança da Europa.
O artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia consagra a obrigação de políticas diferenciadas e adaptadas às especificidades das RUP.
Este princípio tem sido a base de mais de três décadas de políticas europeias que permitiram avanços concretos no desenvolvimento económico e social destas regiões.
Não há, pois, razão para recuar neste compromisso, que é jurídico, político e moral.
A proposta atual para o QFP pós-2027 representa um retrocesso preocupante.
Ao fundir políticas históricas num fundo único — os chamados Planos Nacionais e Regionais de Parceria —, elimina-se a diferenciação que sempre caracterizou a abordagem europeia às RUP.
Esta centralização orçamental dilui as prioridades territoriais, enfraquece a autonomia regional e compromete a eficácia da política de coesão.
Além disso, a ausência de dotações financeiras protegidas para as RUP ameaça os progressos alcançados em convergência económica e social, colocando em risco a soberania alimentar, a estabilidade social e o desenvolvimento sustentável das nossas regiões.
Deixo-vos aqui alguns exemplos sectoriais, que não poderão deixar de ocupar um diálogo sincero, transparente e produtivo com a Comissão Europeia na procura de soluções para a nossa integração plena no mercado único da União.
Porque o artigo 349.º do TFUE é isto mesmo. Criar as condições por parte das instituições da União Europeia para que às regiões ultraperiféricas lhes seja dada a oportunidade de participarem no mercado interno da União Europeia nas mesmas condições de qualquer outra região da União, não penalizada pelas características que enformam o conceito da ultraperiferia.
Dizia, então, que, no plano da agricultura, a eventual eliminação do POSEI e dos apoios à estruturação das cadeias produtivas seria desastrosa para os Açores, fortemente dependente de importações.
O POSEI é um instrumento insubstituível, fundamental para a autonomia alimentar, diversificação económica e equilíbrio social. Deve ser mantido e reforçado no próximo Quadro Financeiro Plurianual.
Em matéria de pescas e de aquicultura, a integração destes setores em fundos plurissectoriais dilui a sua importância estratégica.
É indispensável garantir um enquadramento financeiro autónomo e previsível, com mecanismos de compensação dos sobrecustos e a criação de um verdadeiro POSEI-Pescas, adaptado às realidades ultraperiféricas.
Sobre as infraestruturas de mobilidade, instrumentos preciosos de coesão territorial nas ilhas, a redução das taxas de cofinanciamento e a ausência de financiamento específico para transportes e mobilidade representam um retrocesso.
Insisto que é essencial, justo e urgente criar um programa POSEI-Transportes, fora da política de coesão, para garantir acessibilidade, continuidade territorial e modernização das infraestruturas, garantindo ao mesmo tempo a elegibilidade dos seus custos de manutenção, que comprometem a nossa participação plena no mercado único.
Sobre a Energia e Ambiente, o QFP deve reconhecer as particularidades arquipelágicas, promovendo energias renováveis, eficiência energética e autossuficiência. Os Açores, com nove micro-redes isoladas e com grande potencial em energias limpas, devem ser considerados prioritários para inovação e investigação, beneficiando de cofinanciamentos reforçados e convites dedicados no âmbito do Mecanismo Interligar a Europa, ou seja, criando as condições para uma verdadeira participação das RUP neste programa. Tudo isso em linha com a Declaração Final da Conferência dos Presidentes das RUP, realizada em abril. A sustentabilidade ambiental deve manter-se no centro da ação europeia, com reforço do programa LIFE como mecanismo autónomo.
Caros Colegas,
A proposta da Comissão Europeia, ao ignorar as especificidades das RUP, não só contraria o espírito do artigo 349.º do TFUE, como põe em causa a coesão territorial, a segurança alimentar e a estabilidade social destas regiões. O risco é duplo: redução orçamental e agravamento das desvantagens estruturais permanentes.
Este é o momento de clarificarmos com a Comissão Europeia, em diálogo estreito com o Parlamento Europeu e com os nossos governos nacionais, se efetivamente o compromisso assumido pela Comissão Europeia no seu Programa de Trabalho para 2026 [adotado no passado dia 21 de outubro], de apresentar durante o 1.º Trimestre de 2026 a revisão da estratégia da União Europeia para as RUP, é para ser concretizada.
Nas próximas semanas, esperamos ter respostas concretas da Comissão.
Contamos obter a garantia do respeito pelo artigo 349.º do TFUE e o princípio da diferenciação em favor das RUP.
Contamos com políticas europeias ambiciosas, com orçamentos dedicados e reforçados.
Requeremos uma justa aplicação automática do estatuto de regiões menos desenvolvidas a todas as RUP e taxas de cofinanciamento majoradas, em virtude das suas limitações estruturais consagradas pelo artigo 349.º do TFUE.
Requeremos a criação de capítulos específicos para cada RUP nos planos nacionais, com plena participação das regiões na definição e execução das políticas.
Insistimos na reintrodução do POSEI agrícola e criação de um POSEI-Pesca específico. E de um inovador POSEI-Transportes.
E na continuação de medidas específicas para dinamizar a cooperação territorial e internacional, nomeadamente no âmbito do INTERREG.
Gostaria, neste final da minha intervenção, de deixar uma nota sobre a proposta de Fundo Europeu de Competitividade, considerando essencial que sejam previstos mecanismos que nos permitam participação efetiva na dinâmica de reforço da competitividade europeia.
Um Quadro Financeiro Plurianual que reconheça plenamente as especificidades das Regiões Ultraperiféricas não é apenas condição para a prosperidade e coesão destas regiões, mas também um pilar de resiliência e competitividade para toda a União Europeia. As RUP exigem o cumprimento dos compromissos assumidos e o respeito pelo princípio da coesão territorial e do artigo 349.º do TTFUE.
Estamos contra a proposta da Comissão. Nos seus termos, não cumpre para com as RUP. Dessa nossa posição, farei saber o Presidente do Conselho Europeu, Dr. António Costa, em carta que lhe enviarei, após esta declaração aqui.”